ZEIS x Gentrification
- Cesar Barros
- 13 de mai. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 16 de mai. de 2019
Brasília Pobre

Brasília Teimosa é um bairro com uma localização privilegiada, na cidade do Recife, em uma península formada entre o Oceano Atlântico e a Bacia do Pina. Sua ocupação teve origem nos anos cinquenta, numa área antes chamada de Areal Novo, enquanto no mesmo período acontecia a construção da capital federal,inspirando o nome Brasília, apesar de cenários distintos.
Seus habitantes sempre tiveram uma forte ligação com a água, ladeados por Rio e Mar, sobrevivendo da pesca e a construção de embarcações. O acontecimento histórico que orgulha os moradores mais antigos, foi quando em 1956 cinco pescadores foram velejando de jangada até o Rio de Janeiro para assistirem à posse de Juscelino Kubitschek na presidência da república. Pretendiam chamar a atenção para a situação da comunidade no Recife, onde os moradores conviviam com a ameaça de expulsão.
A insistência e determinação dos moradores, que reconstruíam suas casas à noite, após serem demolidas pela prefeitura durante o dia, tornou famosa a teimosia dos moradores, que resistiam à expulsão. O maior exemplo de luta e persistência da comunidade aconteceu quando a área ocupada foi destinada pelo Governo do Estado à construção de depósitos inflamáveis, ganhando grande repercussão na mídia.
Brasília Teimosa foi uma das primeiras áreas carentes do Recife a sofrerem melhorias urbanas, com recursos do BNH (Banco Nacional da Habitação), do programa PROMORADIA, no projeto Teimosinho, cuja proposta de urbanização foi feita pelos próprios moradores. Em 1982 foi realizada a primeira remoção de palafitas da orla marítima e as famílias relocadas para a Vila da Prata. No entanto, não foi realizada a urbanização da beira-mar, que previa a implantação de equipamentos comunitários, ficando a área vulnerável a novas invasões.
ZEIS

Brasília Teimosa foi a primeira ocupação espontânea do Brasil a ser reconhecida como ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) no ano de 1983. O título de ZEIS passou a ser o obstáculo urbanístico legal para impedir a especulação imobiliária tradicional e ao mesmo tempo facilitou o processo político de reivindicações da comunidade por melhorias no local.
Em 1986 se deu o segundo maior reassentamento, onde famílias que viviam precariamente, foram remanejadas para um terreno da PORTOBRAS, cedido pela União à Prefeitura do Recife, localizado na Vila Moacir Gomes. Mais uma vez, não se urbanizou a área, resultando em nova ocupação. Em 1989, novas famílias de palafitados foram reassentadas, dessa vez, para a Vila Teimosinho, sendo a área remanescente novamente invadida, por ausência de urbanização.
Desde então, parte dos moradores de Brasília Teimosa, moravam em palafitas, ocupando o trecho entre os arrecifes e a comunidade, com casas improvisadas e insalubres. Além da falta de acesso à saúde, ao atendimento social e educacional, bem como à inserção econômica e cultural. A situação só foi resolvida em 2004, quando o Governo Federal realizou a retirada definitiva das palafitas, construindo uma avenida à beira mar.
Atualmente o bairro está completamente modificado urbanisticamente, com sua sua orla marítima ocupada por novas residências, além de restaurantes e comércio de frutos do mar. Brasília Teimosa sempre lutou em defesa da permanência no local, contra a cobiça de grupos políticos e econômicos, devida à sua localização estratégica e alto valor imobiliário. Hoje está situada na zona sul do Recife, entre o bairro do Pina e o Porto do Recife, com uma ocupação paralela aos arrecifes, assim como o bairro vizinho de Boa Viagem.
GENTRIFICAÇÃO

Enobrecimento talvez seja a palavra que melhor traduza o termo inglês gentrification, que significa a transformação de lugares, com novas formas de ocupação e a substituição de usos, atividades, pessoas e comportamentos. Impacta uma determinada área, com a construção de edifícios ou a implementação de novos negócios, valorizando a região e afetando a população de baixa renda. A maior consequência é o aumento dos custos de bens e serviços, inviabilizando a permanência de antigos moradores, alterando a realidade econômica e social do local.
A partir dos anos oitenta, várias intervenções foram executados no mundo inteiro, sob o discurso da Gentrificação. No Brasil houve vários casos de mudanças de perfil de renda, decorrentes da substituição de populações locais vinculadas a operações urbanas, todas com o argumento de renovação, requalificação, revitalização ou outros termos afins. Casos emblemáticos, como os dos bairros do Harlem em Nova Iorque e do Soho em Londres, bem como o corredor cultural no Rio de Janeiro, o Pelourinho em Salvador e o polo Bom Jesus na cidade do Recife.
A gentrificação de áreas pobres ou degradadas vira um problema, quando não há oferta de imóveis com preços acessíveis às pessoas de menor poder de compra. Ainda não existe consenso quanto às consequências da gentrificação. Enquanto uns associam a melhorias, outros apontam os problemas causados pelas transformações sociais e espaciais, colocando em risco a coesão das relações de vizinhança, fundamental para a sustentabilidade de qualquer comunidade.
Brasília nobre

Brasília Teimosa foi a primeira ocupação espontânea do Brasil a ser reconhecida como ZEIS.
Mesmo com a grande transformação econômica, conseguiu manter a sua identidade, com códigos e padrões urbanos próprios, fortalecendo a sua dinâmica local.
O enobrecimento ou gentrification de pedaços do território, leva em conta apenas a modelagem econômica global, desconsiderando a história, a ambiência e os hábitos locais. Na maioria das vezes, gerando lugares sem identidade, temporários e sem dinâmica própria. Brasília Teimosa, historicamente conhecida pela sua resistência, mostrou como é possível combater a especulação imobiliária e ao mesmo tempo ganhar independência econômica, ao se transformar em um pólo cultural e gastronômico de referência na cidade do Recife.
Quase duas décadas desde a remoção das palafitas e urbanização da orla marítima, houve uma radical mudança no perfil da antiga área alagada ocupada por casas de madeira. Até então pouco conhecida, revelou-se para a cidade, surgindo novos negócios, gerando uma grande movimentação financeira na economia local. Hoje, convive com outros desafios urbanos como mobilidade, limpeza urbana e arborização, comuns a qualquer bairro de uma grande cidade.
Brasília Teimosa é de fato o melhor exemplo de uma área historicamente vulnerável que conseguiu vencer a especulação imobiliária. Mesmo com a grande transformação econômica, mantendo a sua identidade com códigos e padrões urbanos próprios, fortalecendo a sua dinâmica local. Dessa forma, num contexto de acelerada renovação urbana, financiada pelo capital imobiliário, reconhecer determinadas áreas como ZEIS, talvez ainda seja a melhor alternativa contra a frequente “expulsão branca”, decorrente de radicais transformações espaciais.
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