O impacto do COVID-19 na cidade contemporânea
- Cesar Barros
- 20 de mai. de 2020
- 2 min de leitura
texto por: Zeca Brandão
Apesar de estarmos vivendo um momento de muitas incertezas, há um consenso entre todos
os terráqueos: não seremos mais os mesmos após essa pandemia. Profissionais de todas as
áreas têm refletido sobre isso e são unânimes em afirmar que o mundo será outro em termos
sociais, econômicos, políticos e culturais. Considerando que esses fatores interagem
intensamente nas estruturas urbanas, a transformação das cidades será inevitável. De fato, a
história do urbanismo mostra que epidemias e guerras são os acontecimentos que mais
modificam os paradigmas da disciplina.
No Brasil, por exemplo, as grandes reformas urbanas realizadas no início do século XX
transformaram radicalmente as principais capitais do país. Cidades como Rio de Janeiro, São
Paulo, Salvador e Recife tiveram as suas áreas centrais demolidas, para depois serem
reconstruídas de acordo com um novo modelo urbanístico. Além da clara intenção política de
aparentar desenvolvimento, o chamado Urbanismo Higienista (ou Sanitarista) tinha como
propósito combater uma série de doenças epidêmicas, como a febre amarela, a varíola e a
peste bubônica.
Na Europa, por sua vez, várias cidades importantes, como Londres, Berlim e Rotterdam,
também tiveram seus centros urbanos destruídos durante a Segunda Guerra Mundial. A
urgente demanda de reconstrução dessas cidades as transformaram em verdadeiros
laboratórios vivos e um novo paradigma urbanístico, que até então estava presente apenas no
universo acadêmico, veio à tona. O Urbanismo Moderno (ou Racionalista), como passou a ser
conhecido, rejeitava o caráter historicista da cidade tradicional e propunha uma cidade
racional e progressista, em busca de uma sociedade mais igualitária e uma estética mais
coerente com a tecnologia do seu tempo.
Tanto o primeiro modelo, quanto o segundo, trouxeram uma série de melhorias para a
população. Entretanto, ambos ocasionaram problemas graves a longo prazo. As reformas
urbanas, a pretexto de sanear as cidades, demoliram grande parte dos cortiços onde viviam os
mais pobres. A decorrente valorização imobiliária da região expulsou essas pessoas para
periferias desprovidas de infraestrutura urbana, o que fez muitos optarem por permanecer nas
áreas centrais, mesmo que em condições informais e extremamente precárias. Surgiram assim
as primeiras favelas brasileiras, que até hoje se apresentam como um dos maiores problemas
urbanos do país. O Urbanismo Moderno, por outro lado, era um modelo rodoviarista, com
ocupação territorial dispersa e edifícios desconectados do espaço público. Concebida com
base no uso do automóvel, a nova cidade espalhou-se e transformou-se numa grande
plataforma de fluxos, levando as pessoas a conviverem mais no interior das edificações. A
escala do pedestre se perdeu e a dinâmica do espaço público praticamente desapareceu.
A partir dos anos 60, a cidade modernista passou a ser fortemente criticada, surgindo, nos
anos 80, um novo paradigma urbanístico que vigora até os dias de hoje. Esse modelo, batizado
de Novo Urbanismo, propõe uma cidade compacta, com um amplo sistema de transporte de
massa e edificações integradas ao espaço urbano. Fundamentado no conceito de vitalidade
urbana, o modelo estimula as pessoas a se apropriarem dos espaços públicos e interagirem de
forma mais diversificada possível. Considerando que esses princípios conflitam com o
necessário distanciamento social proposto no combate ao COVID-19, cabe perguntar: qual será
o impacto pós-pandêmico no atual modelo urbanístico? Será possível ajustá-lo à nova
realidade ou precisaremos substituí-lo? Seja qual for a resposta, temos que estar atentos para
não retrocedermos à ideia de uma cidade excludente, caracterizada pelo transporte individual
e pelo isolamento social dos seus habitantes.
Zeca Brandão é arquiteto e urbanista, PhD pela Architectural Association School of London e
professor associado da UFPE
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